Aquecimento no Futebol - entre a convenção, a evidência científica e a especificidade

A activação antes do treino ou do jogo, ou o “aquecimento”, é uma prática transversal a todos os escalões e culturas. Parece unânime que a existência de um momento antes do treino e do jogo que permita preparar os jogadores para o que acontecerá posteriormente é uma necessidade processual. Contudo, algumas questões podem ser colocadas:

  • Qual é o objectivo desse momento?
  • Quanto tempo deve durar?
  • Deve atender à especificidade do que se fará depois?
  • Quão representativo da prática deve ser?

A literatura científica parece consensual no que diz respeito aos efeitos benéficos do aquecimento em matérias como o estado de prontidão para o jogo e a redução do risco de lesão. No primeiro ponto podemos dividir entre percepção subjectiva de prontidão e a capacidade efectiva de ter melhores resultados em testes de sprint, salto ou qualidade das acções técnicas.

 

 

A componente fisiológica do aquecimento deve, no geral, fazer aumentar a temperatura corporal e muscular, aumentar o fluxo sanguíneo para os músculos hipersolicitados durante o jogo, aumentar a elasticidade muscular e, consequentemente, a amplitude articular. Isto pode ser feito através de exercícios de mobilização geral ou de alguns exercícios elementares de força com peso corporal, e pode ser acompanhado por algumas acções técnicas de base do jogo. Destaque-se a necessidade mais premente destas acções, como passe ou condução em situações de jogo, uma vez que estas melhorarão a execução técnica e a velocidade global de resposta dos jogadores.

Quando colocados em situação de jogo reduzido parece também evidente uma capacidade de melhoria na percepção espacial e temporal do jogo, fazendo com que os princípios gerais e específicos inerentes ao jogar aconteçam com mais fluidez – entramos já numa esfera cognitiva, do conhecimento da estrutura do jogo.

Contudo, em treino, esta segunda parte pode ser opcional. Parece possível que meramente através de algum trabalho balístico e/ou de preparação geral se reduza o risco de lesão e, no geral, se prepare a vertente muscular para qualquer situação de treino específico. Todavia, e em especial se a quantidade de informação no exercício for muita, é provável que a velocidade e a especificidade do espaço e do tempo existentes na estrutura macro do jogo/exercício torne a primeira ronda lenta, com más execuções e, enfim, aquém do que poderia ser com algum aquecimento específico do jogo prévio. Neste caso, talvez seja preciso assumir que a primeira ronda terá menos qualidade – o que é admissível em treino, mas não em jogo. Esta situação parece tão maior quanto mais a complexidade (entenda-se complexidade como possibilidades de decisão do jogador, influenciado por espaço e número).

Por outro lado, é desejável que a complexidade crescente do treino possa tornar este fenómeno mais cumulativo, embora isso nem sempre seja possível por contingências do microciclo (“dias maiores” e “menores” em espaço e número) e pelo tempo limitado para treinar. É também desejável que, como em todas as situações de treino, possa existir alguma variabilidade que aumente o estado de alerta dos jogadores, tornando-os mais despertos para as situações de treino que daí possam emergir. Descarta-se desta situação o aquecimento para o jogo por ser, por si, um contexto mais stressante.

 

 

Parece também altamente relevante destacar que, em treino, se deve procurar uma ligação directa entre os conteúdos principais e os conteúdos da parte introdutória. Isto pode ter repercussões para a parte mais analítica – espaços reduzidos devem ter situações mais explosivas na activação – e para a parte mais específica – situações de jogo em campo inteiro possam ter conteúdo em estrutura na activação ou que, de alguma forma, preparem relações inter-sectoriais.

Em suma, o aquecimento para o jogo deve, em momentos diferentes dar primazia a uma activação geral (prevenção de lesões e activação fisiológica), dando posteriormente lugar a uma potenciação, onde deve ter lugar a componente mais específica da modalidade. As diferenças entre aquecimento para treino ou para jogo devem ser devidamente acauteladas, dependendo dos objectivos ou do conteúdo.

Muito mais haveria a dizer sobre este assunto, nomeadamente sobre alongamentos dinâmicos e estáticos, ou sobre exercícios que, sendo introdutórios, remetam para a especificidade estrutural dinâmica do jogo.

Contudo, os artigos, como os aquecimentos, não devem ser demasiado longos...

 

 

Alexandre Costa

Treinador/Prep. Físico de futebol

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